INTERDISCIPLINARIDADE – PARTE I: URÂNIO

Olá Pessoal. Na semana passada anunciei uma pequena série com publicações sobre interdisciplinaridade e sugestões de atividades. Para começar essa série eu decidi falar sobre a minha ferramenta favorita para interdisciplinaridade. O Documentário “Uranium – Twisting the Dragon’s tail” ou “Urânio – Torcendo a cauda do dragão” em tradução livre.

Este documentário foi exibido nas redes de TV PBS (EUA) e SBS (Austrália) em 2015, e fala do elemento químico Urânio, sua descoberta e aplicação. Dividido em duas partes de 50 minutos, o filme conta com o carismático apresentador do canal de vídeos Veritasium, o físico Derek Mueller, que viaja por 9 países para contar a história do Urânio desde sua descoberta em 1789, primeiros estudos e análises por volta de 1890, e aplicações militares e energéticas. O filme passa por eventos históricos como as pesquisas de Henri Becquerel e Marie Curie, o projeto Manhatan e a bomba de Hiroshima, a Guerra fria e o desastre de Chernobyl em 1986, até as aplicações atuais de elementos radioativos na medicina e o desastre de Fukushima em 2011. Embora pareça algo que vá interessar apenas professores de Física e Química, este filme permite uma integração e abordagem de todas as disciplinas do ensino médio como sugerido a seguir.

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O nome do documentário faz referência a uma lenda aborígene da Austrália (maior depósito de Urânio do mundo), que é usada para conduzir a narrativa. As duas partes estão disponíveis para download em vários sites, e para assistir no YouTube (parte 1 e parte 2) e no DailyMotion (parte 1 e parte 2). O potencial do uso pedagógico do vídeo é tamanho que, embora não haja legendas disponíveis nos links que indiquei, eu dediquei tempo para legendar o documentário para poder usá-lo em sala de aula, e deixo disponível no fim da postagem, os links para quem quiser baixar as legendas.

O modo como cada professor vai usar o documentário em suas aulas, depende das percepções do mesmo ao assistir, afinal ninguém melhor que cada professor para analisar o melhor ângulo para usar a ferramenta em sua disciplina. De todo modo, vou colocar aqui algumas sugestões de possibilidades de exploração do filme em diversas áreas do ensino médio, a partir das impressões que tive. Obviamente que, para áreas fora da minha, essas sugestões são limitadas ao meu restrito conhecimento sobre cada área, mas espero que essas sugestões sejam suficiente para incentivar professores de outras áreas a assistirem o filme.

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Física, Química e Matemática: O documentário, além de tratar da história de Física e Química abordando figuras importantíssimas como Marie Curie, Henri Becquerel, Frederick Soddy, Albert Einstein e outros, o filme explica o conceito de transmutação e decaimento radioativo, isótopos, reação em cadeia, meia vida e equação de Einstein para energia relativística. E tudo de uma forma extremamente didática, clara e cativante. No que tange a matemática, o filme fala da proporção do Urânio enriquecido (e o processo de enriquecimento) e da progressão geométrica da reação em cadeia, além de cálculos com meia-vida para estimar tempo para que a cidade de Chernobyl se torne habitável.

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Biologia: Há 3 momentos mais emblemáticos onde acredito que biólogos possam explorar o filme (podem haver mais). O primeiro é logo quando se fala da bomba de Hiroshima e se fala sobre a Síndrome Aguda de radiação, descoberta nos sobreviventes dias após o bombardeamento.  O segundo é quando Derek vai em Londres, entrevistar uma especialista em câncer infantil que pesquisou por anos o aumento na incidência do câncer na tireoide em crianças de Chernobyl e redondezas. Nesta entrevista, além de abordar os problemas da contaminação radioativa no leite através do pasto contaminado, a pesquisadora explica rapidamente como mutações e radiação são responsáveis pelo processo evolutivo e como o problema da radiação é a dosagem concentrada.download (4)

O terceiro, ocorre já no fim da segunda parte, quando o filme fala do uso de elementos radioativos na medicina para diagnosticar e tratar doenças. Derek vai a um hospital onde explica sobre o uso de Tecnécio 99 para diagnosticar determinados tipos de câncer.

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Geografia e História: O Filme escolhe usar a ordem cronológica para descrever eventos, conceitos e teorias envolvendo o Urânio, de modo que a cada passagem ele estabelece o contexto histórico, social e político de cada época para situar as informações que fornece em cada etapa. Ao mesmo tempo que ensina ciência o documentário conta a história do Urânio até os eventos em Fukushima e como essa pedra mudou o mundo a partir da virada do século. Excelente para diversas abordagens sobre guerra fria, segunda guerra mundial, história da ciência, etc.

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Produção de Urânio pelo mundo

Além disso, o documentário viaja pelo mundo falando sobre a descoberta do Urânio em antigas minas de prata, fala sobre geologia e depósitos de Urânio na Austrália, e faz uma importante reflexão sobre matriz energética e a necessidade de energia nuclear para alguns países como o Japão.

Linguagens e Artes: O filme descreve como que pesquisas com radiação na virada do século XX influenciaram obras de arte como filmes e livros e como essas obras influenciaram outros cientistas.

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Neste ponto, há um ciclo que acho muito interessante. O documentário menciona o livro de ficção científica do H. G. Wells de 1914 chamado “The World set Free”. Este livro, inspirado por pesquisas que descreveram a reação em cadeia, profetiza sobre a existência de uma arma que usaria a força radioativa dos átomos para devastar civilizações inteiras, cunhando o termo “Bomba Atômica”.

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Tal livro foi o que influenciou o Físico húngaro Leo Szilard a conceber a bomba. Szilar leu o livro e ponderou que a tal arma devastadora descrita na ficção seria possível a partir dos resultados de um dos cientistas de Hitler (Otto Hahn) com a fissão do Urânio. Assim, temendo que os Nazistas construíssem tal bomba, Leo Szilard vai até Einstein e pede para que ele escreva para o presidente Americano, para que se comece um projeto para fazer tal bomba nos EUA. E aí se inicia o projeto Manhatan que culminou com as bombas de Hiroshima e Nagasaki.

O filme também mostra como que, após a explosão das bombas, propagandas, músicas e filmes, foram influenciados pelo medo da guerra nuclear. Tanto que os principais filmes de terror dos anos 50 e 60, envolviam monstros radioativos gigantes e guerras futurísticas com devastação global. Desde modo o documentário deixa claro como as diferentes áreas do conhecimento se afetam e influenciam mutuamente, e o papel da escrita de ficção científica na inspiração de cientistas.

Filosofia: Ao tratar deste tema, o filme aborda diversos dilemas éticos e toda a questão da filosofia e ética da ciência. Os que achei mais interessantes são dois: O primeiro é sobre a construção da bomba atômica e o projeto Manhatan. Leo Szilard sugeriu a iniciativa porque achava que os nazistas fariam igual. Com a derrota da Alemanha, ficou claro que eles não estavam nem perto de construir tal bomba. No mesmo momento Szilard foi a público pedir que o presidente Roosevelt cancelasse o projeto e assim o homem responsável pela concepção da bomba se torna o primeiro ativista antinuclear do mundo. Ao mostrar gravações de Szilard se justificando sobre isso, fica claro a complexidade de seu posicionamento.chernobyl.png

O segundo momento, é quando o filme fala sobre o acidente de Chernobyl e como os bombeiros que foram apagar o incêndio nos reatores estavam caminhando (sem saber) para a própria morte. Os níveis de radiação eram muito elevados e qualquer um se aventurasse no incêndio estaria cometendo suicídio. Porém, nada disso foi dito aos bombeiros porque, se eles soubessem, não iriam apagar o incêndio e os danos do acidente seriam ainda mais catastróficos, com mais vítimas.

Sociologia: Considerando que todo o filme faz uma abordagem do contexto histórico, político e social enquanto narra os eventos, há muitos pontos que podem ser aproveitados pela disciplina de sociologia. O que achei mais interessante foi com relação ao acidente na usina de Fukushima no Japão. O acidente em si não teve nenhuma vítima fatal por radiação, mas provoca um aumento no número de mortes por suicídio devido a depressão. Isso aconteceu porque, graças à radiação, famílias tiveram de abandonar suas casas deixando tudo para trás, inclusive fotos de família e memórias. Considerando que o Japão tem uma cultura de tradição familiar muito forte, essa quebra de laço e perda de memória gerou um sério problema de depressão entre os envolvidos e elevou consideravelmente a taxa de suicídio entre as famílias vítimas como mostra o filme ao acompanhar uma família japonesa até sua casa para revisitar e tentar salvar algumas lembranças.fukushima

Além disso, o documentário usa uma antiga lenda aborígene australiana para conduzir a narrativa, entrevistando um nativo da reserva natural que fica sobre o maior depósito de Urânio do mundo. Nessa entrevista, há pontos interessantes sobre como as lendas desse povo e o que sabemos sobre radiação e seus efeitos tem similaridades.

Bom, essas foram apenas sugestões de temáticas que o documentário abrange e que acredito que poderiam ser usadas em alguma atividade interdisciplinar. Cada professor que assistir ao filme pode ter diferentes ideias a partir de sua expertise. O interessante, a meu ver, é como o filme representa um material muito rico para ser usado em sala de aula. Por isso, fica aqui a minha recomendação. Além de tudo, o filme é bem interessante e vale assistir mesmo que por mero entretenimento, o que o torna ainda mais motivador. Deixo a seguir os links para baixar as legendas que criei e, como sempre, espero ter contribuído. Até a próxima semana.

Links para as legendas.
Uranium – Twisting the Dragons Tail – Part 1
Uranium – Twisting the Dragons Tail – Part 2

3 comentários em “INTERDISCIPLINARIDADE – PARTE I: URÂNIO

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