ENSINANDO A PARTIR DO ERRO

Olá pessoal bem-vindos ao “Educação Científica”. Como professor e apaixonado por educação eu sempre me maravilhei com o ensino de ciência e com a diferença que uma educação científica pode fazer na vida das pessoas. E, por ensinar física, sempre encarei o desafio de ensinar uma das disciplinas mais odiadas (injustamente) do ensino fundamental, médio e superior, o que me levou a busca constante capacitação. E foi pensando nisso que nasceu este blog.

A ideia é dividir aqui técnicas, metodologias, ferramentas e sites que conheci, aprendi (e ainda aprendo) e/ou coloquei em prática em minhas aulas e que, de alguma forma, podem ajudar a quem busca complementar sua formação docente. Além disso, pretendo trazer conteúdos interessantes de divulgação científica porque acredito que estes assuntos ajudam na construção de uma educação científica completa. Portanto, sem mais delongas passemos a mágica.

Veritasium

Como primeiro tema escolhi falar sobre o trabalho feito pelo físico Derek Muller do famoso canal de vídeos do YouTube: Veritasium e mais precisamente sobre sua tese de doutorado e como ela indica algo MUITO interessante sobre a eficiência de ensinar. Muitos de vocês devem conhecê-lo (mesmo sem saber seu nome), se não conhecem recomendo fortemente.

Pois bem, o canal do Derek nasceu em sua tese de doutorado intitulada: Designing Effective Multimedia for Physics Education – Traduzindo: Desenvolvendo Multimídia Eficaz para Ensino de Física. Em outras palavras, ele investigou metodologicamente como desenvolver vídeos mais eficientes para ensinar física. Ou, como ele mesmo afirma em seu TEDx talk: “Com o surgimento de plataformas de vídeo [YouTube], (…) como você faz um vídeo que, de modo eficiente, ensina alguém algo sobre ciência? Esse foi o tema do meu doutorado. ”

E o que ele descobriu? Basicamente que um vídeo meramente expositivo do conteúdo, por mais criativo, animado e didático que seja, na verdade pode ser pior para o aprendizado (e levar uma pessoa a reforçar achismos equivocados que ela tenha sobre um fenômeno) do que vídeo nenhum. Parece polêmico e controverso? Nem tanto quando você entende de onde isso vem e o trabalho que ele fez. Então vamos entender um pouco melhor isso.

Primeiro, vamos ver a metodologia que ele usou. Ele selecionou alguns grupos de alunos com os quais faria testes para verificar a eficiência de vídeos em diferentes formatos. Nestes testes, cada grupo era dividido em dois subgrupos (o grupo Expositivo e grupo do Dialogo).

Cada aluno receberia um teste com 26 questões/problemas de múltipla escolha sobre um tema de física (ele usou alunos do curso de física, então um dos temas foi as 3 Leis de Newton). Além de resolver os problemas ele pediu aos alunos que avaliassem o nível de confiança que eles tinham em suas respostas. Ambos os subgrupos atingiram em torno de 6 acertos nas 26 questões (6.1 e 6.0 para ser mais preciso). Logo em seguida, os alunos receberiam alguns vídeos educativos sobre o tema para assistir. Depois de ver os vídeos, eles deveriam comentar o que acharam, refazer as MESMAS 26 questões e novamente responder o nível de confiança (de 0 a 10) que tinham nas respostas.

E aqui entra o coração do trabalho. Vamos aos grupos.

Ensinando

O primeiro grupo (Expositivo): Receberia vídeos bem expositivos onde uma pessoa iria expor os conteúdos (Alguém falando sobre as leis de Newton) e colocar o conteúdo em aplicações em alguns exemplos (uma bola de basquete arremessada, uma pedra em queda livre, uma pessoa nadando). Nestes vídeos o conteúdo seria explicado de forma clara e direta e colocado em contexto com alguns exemplos. Resultados:

Comentários sobre os vídeos: “Claro e fácil de entender”. “Conciso”. “Interessante e didático”.

Confiança dos alunos sobre suas respostas: Aumentou de 7 para 8 em média.

Índice de acertos: 6.3 (virtualmente o mesmo, em média).

Confiança-na-resposta

A partir deste resultado vemos que o grupo gostou dos vídeos, ficou mais confiante em suas respostas, mas basicamente tiveram o mesmo índice de acertos. Eles acharam que haviam aprendido e ficaram mais confiantes com isso, mas na prática, não demonstraram nenhum ganho cognitivo significativo.

Na verdade, alguns alunos relataram conceitos tirados do vídeo que sequer estavam nos vídeos! Por exemplo, um dos alunos, ao ver o vídeo explicando sobre as forças que atuam em uma bola de basquete arremessada até a cesta, disse que, a partir do vídeo, ele concluiu que a força na bola apontava para cima e ia decrescendo a medida que a bola subia. Ele viu uma animação indicando que a única força na bola era o peso da mesma, para baixo e sempre constante em toda a trajetória, e ainda assim ele relatou aprender do vídeo algo completamente diferente que, não por coincidência, era precisamente o que ele achava que ocorria antes de ver o vídeo.

Eles achavam que tinham aprendido falando que havia uma força para cima atuando na bola e que era isso o que havia sido apresentado a eles no vídeo. Ou seja, eles sequer conseguiam lembrar precisamente do que haviam acabado de assistir e ja tinham imputado ao vídeo seus próprios preconceitos equivocados sobre o assunto.

reforçando-o-erro

Isso ocorre porque na ciência (como em várias outras áreas), os alunos não chegam com zero conhecimento sobre um assunto ou fenômeno prontos para aprender o novo. Na verdade, eles sabem MUITA coisa que tiram das suas experiências com o mundo. O lance é que muitas dessas coisas estão erradas do ponto de vista científico.

Então, quando você apresenta algo (seja uma aula ou um vídeo), o aluno acha que ele já sabe aquilo que você está falando então ele não presta tanta atenção assim, e não percebe que o que você está ensinando difere do que ele assume sobre aquele fenômeno, então ele apenas fica mais confiante naqueles conceitos (equivocados) que ele tinha antes da aula. Ou seja, uma exposição clara e simples de conteúdo é na verdade pior do que aula nenhuma, já que faz apenas reforçar a confiança do aluno naquele conceito que ele construiu em sua cabeça. Então ele parte para o segundo grupo.

O segundo grupo (Diálogo): Este grupo recebeu vídeos com duas pessoas no vídeo em um diálogo sobre o assunto em questão (no caso leis de Newton aplicadas a uma situação como uma bola de basquete arremessada ou algo assim). Uma das pessoas no diálogo iria ter uma visão errada e iria explicar os fenômenos com os equívocos mais comuns sobre o assunto (como por exemplo, que a bola, durante o trajeto até a cesta tem uma força que segue empurrando ela para cima). A outra pessoa iria discordar e as duas iriam então discutir entre si analisando a situação até chegar a uma resposta razoável sobre a análise (que seria a resposta conceitualmente correta). Resultado:

Comentários sobre os vídeos: “Confuso”. “Difícil de acompanhar”.

Confiança dos alunos sobre suas respostas: Aumentou na mesma proporção que o anterior.

Índice de acertos: 11 (quase o dobro de acertos!!!)

Acertos-com-debates

Ou seja, os alunos acharam o vídeo mais confuso, mas o índice de acertos quase dobrou!!! Claro, ainda não é 26 acertos, mas é um excelente ganho (quase 100% de melhoria). E a confiança deles também aumentou. Agora, aqui vai outro detalhe que não comentei de propósito. Derek também avaliou entre os alunos o esforço mental que eles tiveram de realizar vendo os vídeos e os alunos do grupo do Diálogo demonstraram investir um esforço mental significativamente maior ao ver os vídeos que os alunos do grupo Expositivo.

Esforço-Mental

E esta foi a principal conclusão que veio do trabalho dele. Dependendo de como você apresenta o assunto você pode mudar como sua audiência vai assistir e quanto de esforço mental será colocado e, a partir daí o quanto eles vão aprender.

Os testes foram feitos com grupos diversos e bem heterogêneos e foram repetidos com estudantes em dois momentos do curso de física. Calouros abordando temas introdutórios como “Leis de Newton” e “Cinemática” e veteranos abordando temas como “Tunelamento Quântico” e “Mecânica Quântica”. Além disso, os vídeos foram feitos com os mesmos recursos audiovisuais e animações.

A partir daí Derek levou sua metodologia para o YouTube e passou a fazer vídeos educativos seguindo a mesma métrica de começar com os equívocos e “achismos” mais comuns sobre os assuntos (para isso ele entrevistava pessoas em locais públicos) para, somente então, partir para a construção do conceito correto. Seus vídeos se mostraram extremamente eficientes nos mais diversos públicos tornando seu canal incrivelmente popular (hoje com mais de 4 MILHÕES de inscritos) e fazendo dele um dos mais populares, conhecidos e respeitados YouTubers na área de educação ao redor do mundo.

Mas, nem tudo são flores e no começo do seu canal muita gente o criticou porque, desconhecendo o método, achou que ele estava começando com os equívocos (entrevistando leigos) para expor a ignorância das pessoas e/ou satiriza-las. Tanto que ele fez um vídeo MUITO bem humorado em resposta aos “Haters” onde ele dialoga com o YouTube (ele mesmo,rs,rs,rs) e explica o porquê do seu método. De todo modo o método é incrivelmente válido e muito eficiente para iniciar alguns assuntos em sala de aula.

Eu mesmo já usei o método algumas vezes em sala de aula na introdução de assuntos que são mais comuns ao cotidiano dos alunos e fica gritante o aumento da eficiência e engajamento dos alunos com o assunto ao se começar pelos “pré-conceitos” que eles trazem de bagagem sobre os fenômenos trabalhados. Porém, é preciso se atentar para a resposta negativa que ele teve no canal e, caso essa mesma resposta surja em sala de aula (como já vi surgir) ter tranquilidade para dialogar e explicar aos alunos o propósito da abordagem. Então fica aí essa dica e espero que tenham gostado.

PS: Vale ressaltar que aqui eu fiz apenas um recorte/resumo do trabalho de doutorado que ele fez e, para quem estiver mais interessado e quiser mais detalhes, recomendo a leitura da tese que deixei no link. Nela ele faz toda uma revisão conceitual dos conteúdos que ele vai avaliar com os alunos e do histórico de como eles têm sido trabalhados na graduação de física, quais partes e conceitos os alunos mais tem problemas para aprender e as metodologias mais comuns que já foram tentadas em diversas universidades. Posteriormente ele fala sobre diferentes correntes teóricas do aprendizado e as coloca no contexto de seu trabalho para, finalmente, chegar a hipótese proposta, os testes, análises e resultados.

thatsallfolks

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