Recentemente a mídia foi bombardeada com a notícia de que cientistas haviam produzido a primeira foto de um buraco negro. E, embora essa foto tenha sido um marco científico mundial e feito história, muita gente não compreendeu o porque de todo alvoroço e/ou se decepcionou um pouco com o resultado visual. Afinal, o que buracos negros tem de fascinante, eles tem de complexos e, por isso, a ficção tem explorado tanto o tema. Mas então, vamos entender um pouco sobre a foto publicada, porque ela é tao importante cientificamente e porque, muitos ficaram decepcionados com ela.
Ok, talvez a decepção tenha sido menor do que assistir Liga da Justiça (nerd rage trigger!) mas fala sério, você esperava algo mais… épico do que a imagem a baixo:
Ela parece bem borada, e não mostra muita coisa. Algo longe das concepções artísticas que vemos na internet de um buraco negro:
Mas porque essa foto é tão importante? O que ela nos revelou? E porque ela mostra tão pouco? Pretendo abordar cada uma dessas questões nas próximas postagens, e hoje vamos falar um pouco sobre como essa foto foi tirada, e o porque de sua “baixa” qualidade.
Antes de mais nada, temos que entender o quão longe esse buraco negro em particular está da terra. Na verdade, o que estamos olhando não é “somente” um buraco negro resultante da morte de uma estrela. A foto famosa, e muitas vezes chamada de M87 na verdade mostra o coração da galáxia Messier 87, e nesse coração existe um buraco negro super massivo em atividade (caindo na classe de um Quasar), engolindo matéria da galáxia em uma espiral de gás super aquecido colossal, e cuspindo jatos relativísticos de matéria por seus polos. Na verdade a galáxia M87 é uma das mais massivas observáveis atualmente, e seu núcleo é um dos mais ativos que conhecemos, o que a faz uma candidata perfeita para ser fotografada. Mesmo estando a cerca de 53 milhões de anos luz da terra, devido ao brilho extremamente forte de seu buraco negro central, é muito mais fácil fotografá-la do que mesmo o buraco negro no centro de nossa galáxia.
E quando falamos 53 milhões de anos luz da terra, isso não é pouca coisa. Pense que mesmo a galáxia inteira M87, é somente um pontinho visto de uma foto a partir do telescópio espacial Hubble. A galáxia inteira é esse ponto brilhante no canto esquerdo, enquanto a pluma esbranquiçada (que tem centenas de anos-luz de comprimento) é resultado justamente dos jatos relativísticos expelidos pelo buraco negro em seu centro. E lembre-se, o tamanho do buraco negro é incomparavelmente menor do que o tamanho da galáxia. Quer dizer, mesmo nessa foto abaixo, o buraco negro em seu núcleo seria menor do que um píxel da foto. Na verdade MUITO menor.
A razão distância/tamanho do buraco negro é tão absurda, que comparações clássicas dessa área ainda seriam simplísticas demais. A ideia de que a foto desse buraco negro seria o equivalente a uma câmera de mão na terra tentando ler com zoom um livro deixado na superfície da lua explica mais ou menos o porque da resolução ter ficado tão “baixa”. Estamos falando de distâncias ridiculamente grandes aqui, e foi exatamente por isso que a foto não foi clicada a partir de um telescópio, mas da junção de 8 telescópios que trabalharam em conjunto durante dois anos somente para “tirar a foto”. Tal esforço (o projeto Event Horizon Telescope) vai ter uma postagem futura dedicada a ele, mas basta entendermos que o seu efeito coletivo foi criar um “telescópio virtual” literalmente do tamanho da Terra para tirar essa foto. Isso explica bem o porque de uma foto com tão baixa resolução ter na verdade diversos petabytes (cerca de 500 HD’s contendo 10 Terabytes cada, por alto!).
Esse buraco negro super massivo (catalogado como M87*) tem uma massa de bilhões de vezes a massa do nosso sistema solar inteiro! Isso se deve provavelmente ao fato de ele não ter sido resultado somente de uma morte estrelas, mas sim de esse buraco negro estar se alimentando de matéria, outras estrelas e mesmo outros buracos negros a alguns bilhões de anos. Desse modo, essa entidade é incomensuravelmente grande, e quando vemos aquela fotinha borrada, a impressão que passa pode ser muito subestimada. Em uma rápida comparação com nosso sistema solar, vemos que mesmo a “sombra” dele ainda sim é muito maior do que a própria órbita de plutão!
Agora nós podemos começar a entender o tamanho do buraco negro. E com isso devemos lembrar que o anel alaranjado ao redor da esfera escura não é parte em sí do buraco negro. Esse é justamente o disco de acreção. Ou seja, toda essa faixa laranja (que mede dezenas de vezes o tamanho do sistema solar) é tudo poeira e matéria estelar “caindo” em direção ao buraco negro, e brilhando de calor devido ao atrito causado enquanto a matéria espirala em direção ao horizonte de eventos.
Para termos uma noção, a estimativa é de que por dia, mais de 90 massas terrestres “caem” dentro do buraco negro a partir desse disco de acreção, em forma de poeira e material estelar. Na descrição gráfica abaixo podemos entender melhor a situação:
Com isso, podemos entender um pouco melhor algumas das características da foto, como a área central escura (que corresponderia a região de onde nem mesmo a luz pode sair do buraco negro, seu raio de Schwarzschild) e a área alaranjada de sua borda (que corresponde a esse enorme anel de poeira espiralando e brilhando enquanto cai na direção do buraco negro). Outras características importantes envolvem notarmos que um lado do anel é mais “brilhante” que o outro, o que era esperado e foi corretamente confirmado pela foto. Tal “brilho” na verdade é somente o aumento da frequência da luz emitida pelo disco de acreção quando a matéria gira em nossa direção, ou seja, o efeito Doppler. O oposto ocorre no lado inverso do disco, pois (como o disco está girando) esse lado vai estar se “afastando” do nosso ponto de vista, diminuindo a frequência da luz emitida. Abaixo isso pode ser melhor entendido com a simulação do que veríamos para cada ângulo diferente do disco de acreção (giro no sentido horário). Note que se víssemos o buraco negro “de cima”, todos os pontos do disco não se afastariam nem se aproximariam, anulando tal efeito doppler. Da mesma forma, se víssemos o buraco negro de um ponto de vista equatorial, um lado dele teria o máximo de efeito doppler e o outro o mínimo:
Agora entendemos superficialmente a imagem, algumas poucas de suas características e o porque de ela ter saído tão borrada. Em postagens futuras iremos entrar mais a fundo na questão de como 8 telescópios puderam se juntar em um telescópio virtual do tamanho da terra e principalmente, porque tal foto é tão importante e o que iremos descobrir com ela.